Analisar a situação das classes sociais brasileiras requer lançar mão de uma ou mais teorias clássicas, isso porque o desenvolvimento e complexidade das sociedades modernas vão além do que se pode compreender através de uma única teoria.
A divisão
clássica de Marx pode ser sentida no âmbito da sociedade moderna, pois ainda
podemos ver a composição desta mesma sociedade com os assalariados, que vendem
a sua força de trabalho, os proprietários de capital, que vivem do lucro e os
latifundiários que vivem da exploração da terra e do seu lucro (proprietários dos
meios de produção).
Mas dizer
que tal entendimento sobre as classes bastam para situar atual situação
brasileira seria ignorar algumas das contribuições de pensadores que estudaram
e se debruçaram sobre essas teorias, a fim de responder as demandas e
complexidades da sociedade moderna.
“Smith (1988) lança mão de um esquema de classe fundado na origem de
rendimentos dos indivíduos que segmenta a sociedade entre capitalistas,
proprietários de terra e trabalhadores, e Ricardo (1978) sustenta um esquema
semelhante, que também utiliza os tipos de rendimento como critério de
distinção das classes. Em ambos os casos, a fonte de rendimentos, é tratada
como um indicador da função de cada individuo na sociedade, e essa função é
usada como elemento explicativo da dinâmica econômica da sociedade.”
Os esquemas
defendidos por Smith e por Ricardo levam em conta a origem dos rendimentos para
que desta forma possa se classificar a que classe esse individuo é pertencente
e desta forma podemos notar que a base usada para o esquema estratificação aqui
é a divisão de classes contida na teoria marxista.
Lançar mão
da base marxista de divisão de classes não significa conseguir de forma
definitiva localizar na sociedade brasileira qual a posição da “nova classe
média” de forma clara e objetiva.
Para tanto é
necessário dialogar não só com a visão marxista, mas com a weberiana e ainda a
bourdiesiana.
O esquema de
Webber sobre a estratificação pode nos explicar um pouco sobre essa questão do
pertencimento através dos rendimentos e da origem do capital acumulado.
Os indivíduos mais
ricos da sociedade podem pertencer as “classes proprietárias positivamente
privilegiadas”, formadas tipicamente por rentistas, e às “classes aquisitivas
positivamente privilegiadas”, compostas por empresários e, em certas
circunstancias, profissionais liberais e
trabalhadores altamente qualificados (1991, p. 199-201).
Os
trabalhadores liberais e altamente qualificados citados por Webber, no esquema
marxista seriam classificados dentre aqueles que vendem sua força de trabalho,
seja ela intelectual ou braçal, mas não poderiam ser classificados aqui como
pertencentes às classes mais abastadas da sociedade.
O que
reforça a visão de que as teorias clássicas separadamente não podem definir ou
esgotar o tema sobre a divisão das classes e para contribuir um pouco com a
análise em questão e nos ajudar a pensar a ascensão da “nova classe média”
vejamos o que diz Pareto:
“Pareto argumenta que os
homens são diferentes física, moral e intelectualmente, o que faz que todas as
sociedades sejam essencialmente heterogêneas. As diferenças entre indivíduos
estão na origem da distinção entre classes, mas essa distinção não implica uma
separação rígida entre grupos, pois indivíduos circulam entre classes (Pareto, 1964, v. II, p. 527, §2025).”
Partindo da
contribuição de Pareto podemos aqui dizer sobre a ascensão desta “nova classe
média” que pelo imponderamento através do aumento real dos salários, pelos
canais de financiamento, programas de transferência de renda, aumento do
emprego formal fizeram com que surgisse uma “massa” que circula entre as
classes ora podendo ser identificada em uma ou em outra classe, a separação
rígida não existe nesse âmbito porque ela impossibilitaria a compreensão sobre
as classes nas sociedades modernas.
Vejamos o
que Bourdieu fala sobre essa mobilidade:
Bourdieu monta um esquema
de classificação baseado em três dimensões – volume, composição e trajetória
dos capitais econômicos e culturais – no qual não há fronteiras definidas de classe, exceto aquelas definidas
pelos grupos ocupacionais institucionalizados.
Bourdieu faz
uma abordagem sobre a circulação não só do capital econômico, sua composição e
volume, ele trata sobre o que chamamos de capital cultural, que eleva o
individuo a uma condição de emancipação intelectual, agrega valor a esse
conhecimento intelectual, mexe no status
quo do individuo, ele passa ter novos habitus e agregar um novo ciclo de
consumo, além de buscar ainda sua formação intelectual através de cursos
superiores, qualificando sua posição dentro de uma determinada classe social.
A chamada
nova “classe média” brasileira é definida atualmente por parâmetros econômicos
que leva em conta a renda familiar, e tais parâmetros não são consensuais entre
todos os autores que atualmente escrevem sobre o tema, Jessé Souza não da por
definida essa questão uma vez que levanta o questionamento se ela é uma “Nova
Classe Média” ou é uma “Nova Classe Trabalhadora” e ele levanta essa questão
por ela não guarda as características da
classe média tradicional, que no seu seio é classificada não só pelos seus
hábitos, mas pelo que ela consome, pelas suas posições políticas e poderíamos
ainda dizer que pela transmissão de herança que a mantém no status quo, de sua origem.
“Em O Capital Marx escreve
que a divisão das fortunas das famílias determina, entre outros fatores, o
numero de capitalistas na sociedade (Marx, 1975 livro I, p 726)”
E ainda para
contribuir um pouco mais sobre essa consciência de pertencimento que é
característico da Classe Média tradicional Pareto diz:
“... a elite não é
apenas um estrato, ela constitui uma classe que se reconhece como tal e se
esforça por manter sua posição...”
Dentre todos os esforços aqui apresentados para tratarmos
sobre esse fenômeno brasileiro, que é a expansão desta “nova classe média”
acredito que a teoria de Bourdieu é aquela que melhor compreende as
complexidades internas, uma vez que não podemos estabelecer os limites que
diferenciam as classes. A ausência de fronteiras definidas, a circulação de
capitais econômicos e culturais, agregado ao movimento interno que é feito por
esse conjunto de indivíduos na busca de uma condição melhor não apenas para si,
mas também para seus herdeiros constitui uma visão mais abrangente sobre esse
fenômeno, atualmente carecemos de ferramentas que vão determinar a
classificação deste novo fenômeno, a consciência de pertencimento a essa “nova
classe”, mas sem a negação da sua origem é uma das características mais
contundente sobre a diferença entre essa a classe média tradicional e a nova
classe média, a primeira se esforça para se emancipar para a condição de elite
e se reconhece como tal, a segunda não nega seu capital de origem e ainda
reafirma sua posição de emancipação a condição anterior e acima de tudo guarda
laços com seu antigo status.